domingo, 24 de janeiro de 2010

Hoje tem marmelada!

Respeitável público
Sejam bem vindos a este circo
Riam das palhaçadas
Angustiem-se
ou exercitem seu sadismo
com o equilibrista
Apreciem os malabares

Aproveitem a oportunidade única
Pois logo o circo recolhe sua lona
E pega a estrada

Hoje tem marmelada?
Tem sim sinhô
Aproveita moçada,
Dez tostões não é nada
E a chula é engraçada
Sentadinhos na bancada
Pra ver a moça, coitada...
Ver a moça coitada?
Ver a mulher barbada!
E a chula é engraçada?
É sim macacada!
Mas e a moça, tá mal?
É quase carnaval!

Oh raio, oh sol suspende a lua...


Amigos poetinhas, venham prestigiar a reinauguração do meu blog:
www.ma-fagafos.blogspot.com

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Súbita

23/10/2009

Súbita. Esse era seu nome. Vagava pelo Novo Mundo, entre sonhos perdidos e malas vazias. Marejava, em sua contradição oceânica, águas de um reflexo distorcido. Afogava-se como Narciso em busca do outro e sofria como o grande poeta. Não acreditava no amor, somente na poesia de Clarice e nos versos de Bethânia. Não mostrava o corpo e os botões eram seus melhores amigos. Seu sorriso de carpideira aprontava histerias em procissões e nada lhe fazia ser. E tudo aquilo que lhe parecia verdade, claro e certo, se esvaiu: pelo ralo mais fétido na casa do ferreiro com espeto de pau. E o amor lhe contaminou, mais uma vez. Quando lhe parecia finito no peito, ele gritou e, finalmente, estava apaixonada. Seus lençóis nunca mais foram os mesmos. E o verbo se fez feminino, em sua forma mais transitiva. Súbita. Esse era o seu nome e aqui jaz aquilo que, um dia, foi crença: subitamente.

domingo, 11 de outubro de 2009

Olá, como vai você?

tra(b)dução bem livre de um poema de bukowski

este medo de ser o que eles são:
um morto.

pelo menos eles não circulam pelas ruas, eles
se cuidam e ficam lá dentro, aqueles
branquelas esquizóides
que se sentam solitários na frente de suas tvs,
com suas vidas cheias de risadinhas mutiladas e enlatadas.

sua vizinhança ideal
de carros estacionados
de gramadinhos verdes
de casinhas
de portinhas que se abrem e se fecham
quando seus parentes aparecem pra uma visitinha nos feriados
as portas se fechando
diante dos que morrendo morrem tão lentamente
diante dos mortos que ainda estão vivos
na sua quieta e típica vizinhança
de ruas sinuosas
de agonia
de confusão
de horror
de medo
de ignorância.

um cachorro parado atrás da cerca.

um homem silencioso na janela.

sábado, 19 de setembro de 2009

pássara azul no coração

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém te ver.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu derramei whisky em cima dele
e inalo fumaça de cigarros
e as putas e os empregados do bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito duro pra ele,
e digo, fica escondido,
quer me arruinar?
quer me fuder o
meu trabalho?
quer arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito esperto,
só o deixo sair à noite
às vezes
quando todos estão dormindo.
e digo, eu sei que você está aí,
por isso
não fique triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta pouco lá dentro,
não o deixo morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,

vc choraria?

Charles Bukowski

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O retoque final (Olga Orozco)

tra(b)dução de mais um poema de Olga:

O retoque final

É este aquele que amavas.
A este rosto falaz que burla seu modelo de lenda,
a estes olhos imóveis que medem a vantagem de ter invertido a cegas teu destino,
a estas mãos mesquinhas que apostam à pura terra sua ganância,
consagraste os anos do pesar e da espera.
Esta é a imagem real que provocou os belos espelhismos da ausência:
corredores sedosos iluminados pela repetição do eco,
pelas sucessivas esfíngies do erro;
desvãos até o céu, subsolos até o recuperado paraíso,
quartos à deriva, quartos como de plumas e diamantes
nos quais provavas cada noites os sóis e as chivas de teu sempre jamais,
enquanto ele sorria, extranhamente imóvel, absorto no abraço da perduração.
Eles estava no alto de qualquer escada,
ele saía por todas as janelas para o vôo nupcial,
ele te chamava por teu verdadeiro nome.

Construções em vão,
sustentadas apenas pelo tremor de um beijo na memória,
por essas vibrações com que volta um adeus;
cárceres do destino, cárceres insensatos que o mesmo Piranesi envidaria.
Basta um sopro de areia, um encontro de laços desatados,
uma palavra fria como a lixa e a suspeita,
e essa urdidura de lamparinas e vapor se desmorona com um ranger de asas,
se dissolve como templo de mel, como pirâmide de neve.
Doçuras para moscas, ruínas para o enxame da profanação.
Querias incendiar os fantasiosos depósitos do ontem,
rompes as maquinarias com que forjou a recordação das armadilhas para hoje,
o inútil e pérfido disfarce para amanhã.
Ou querias ainda mais não ter olhado nunca o aleivoso rosto,
não ter visto jamais o que não foi.
Porque sabes que ao final dos últimos fulgores, das útimas névoas,
acabará por despregar-se, voraz como uma praga, outra vez todavia,
a inevitável fita de toda sua existência.
Ele passará outra vez nessa rajada de velozes visões, de dias migratórios;
ele, com seu rosto de outrora, com tua história inconclusa,
com o amor saqueado à insuportável pele da mentira,
abaixo desta queimadura.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A PUTA DE CADA DIA


A PUTA DE CADA DIA


08/09/2009


Seria a puta daquele que a fizesse uma. Não era mulher cotidiana, esporrava entre pernas dores de uma barbárie. Não sabia o significado da palavra “felicidade” e abortava filhos não desejados, quase corrompidos. Ainda sangrava e como sangrava. Confundia-se entre o existencialismo e o materialismo. Não era mulher parideira. Era um ser em eterno combate com sua própria natureza. Ventava cabelos entre florestas e relutava em aceitar existência. Não era mulher refletida e manifesta em costelas de um único indivíduo. Era a própria coluna: mulher. A diferença rasgava sua boceta de Pandora, ainda molhada pelos males do mundo. Negava! Negava! Abnegava! E, na Bíblia, encontrou sua resposta: seria a puta que jamais iria parir.
Salve Nossa Senhora!



terça-feira, 1 de setembro de 2009




FERIDAS DE UMA SACI


02/09/2009


A contradição do ser
arrancada como lâmina
não sangra: SUICÍDIO

na tormenta, nada se ouve
ou se range
apenas cala!

resvala, resvala
mascara
a senzala

um mal-estar me acomete
e não sou mais a mesma

cansei
juro que cansei!

sórdidos corpos
bailam para um deus morto

e ninguém vê
apenas crê

rastejo invisível
em tapetes vermelhos
e alguém ouve meu corpo?

meu corpo está aí
dançando pelo chão


esquálido
e quase esquartejado de si

Amém e Além