sábado, 19 de setembro de 2009

pássara azul no coração

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém te ver.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu derramei whisky em cima dele
e inalo fumaça de cigarros
e as putas e os empregados do bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito duro pra ele,
e digo, fica escondido,
quer me arruinar?
quer me fuder o
meu trabalho?
quer arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito esperto,
só o deixo sair à noite
às vezes
quando todos estão dormindo.
e digo, eu sei que você está aí,
por isso
não fique triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta pouco lá dentro,
não o deixo morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,

vc choraria?

Charles Bukowski

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O retoque final (Olga Orozco)

tra(b)dução de mais um poema de Olga:

O retoque final

É este aquele que amavas.
A este rosto falaz que burla seu modelo de lenda,
a estes olhos imóveis que medem a vantagem de ter invertido a cegas teu destino,
a estas mãos mesquinhas que apostam à pura terra sua ganância,
consagraste os anos do pesar e da espera.
Esta é a imagem real que provocou os belos espelhismos da ausência:
corredores sedosos iluminados pela repetição do eco,
pelas sucessivas esfíngies do erro;
desvãos até o céu, subsolos até o recuperado paraíso,
quartos à deriva, quartos como de plumas e diamantes
nos quais provavas cada noites os sóis e as chivas de teu sempre jamais,
enquanto ele sorria, extranhamente imóvel, absorto no abraço da perduração.
Eles estava no alto de qualquer escada,
ele saía por todas as janelas para o vôo nupcial,
ele te chamava por teu verdadeiro nome.

Construções em vão,
sustentadas apenas pelo tremor de um beijo na memória,
por essas vibrações com que volta um adeus;
cárceres do destino, cárceres insensatos que o mesmo Piranesi envidaria.
Basta um sopro de areia, um encontro de laços desatados,
uma palavra fria como a lixa e a suspeita,
e essa urdidura de lamparinas e vapor se desmorona com um ranger de asas,
se dissolve como templo de mel, como pirâmide de neve.
Doçuras para moscas, ruínas para o enxame da profanação.
Querias incendiar os fantasiosos depósitos do ontem,
rompes as maquinarias com que forjou a recordação das armadilhas para hoje,
o inútil e pérfido disfarce para amanhã.
Ou querias ainda mais não ter olhado nunca o aleivoso rosto,
não ter visto jamais o que não foi.
Porque sabes que ao final dos últimos fulgores, das útimas névoas,
acabará por despregar-se, voraz como uma praga, outra vez todavia,
a inevitável fita de toda sua existência.
Ele passará outra vez nessa rajada de velozes visões, de dias migratórios;
ele, com seu rosto de outrora, com tua história inconclusa,
com o amor saqueado à insuportável pele da mentira,
abaixo desta queimadura.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A PUTA DE CADA DIA


A PUTA DE CADA DIA


08/09/2009


Seria a puta daquele que a fizesse uma. Não era mulher cotidiana, esporrava entre pernas dores de uma barbárie. Não sabia o significado da palavra “felicidade” e abortava filhos não desejados, quase corrompidos. Ainda sangrava e como sangrava. Confundia-se entre o existencialismo e o materialismo. Não era mulher parideira. Era um ser em eterno combate com sua própria natureza. Ventava cabelos entre florestas e relutava em aceitar existência. Não era mulher refletida e manifesta em costelas de um único indivíduo. Era a própria coluna: mulher. A diferença rasgava sua boceta de Pandora, ainda molhada pelos males do mundo. Negava! Negava! Abnegava! E, na Bíblia, encontrou sua resposta: seria a puta que jamais iria parir.
Salve Nossa Senhora!



terça-feira, 1 de setembro de 2009




FERIDAS DE UMA SACI


02/09/2009


A contradição do ser
arrancada como lâmina
não sangra: SUICÍDIO

na tormenta, nada se ouve
ou se range
apenas cala!

resvala, resvala
mascara
a senzala

um mal-estar me acomete
e não sou mais a mesma

cansei
juro que cansei!

sórdidos corpos
bailam para um deus morto

e ninguém vê
apenas crê

rastejo invisível
em tapetes vermelhos
e alguém ouve meu corpo?

meu corpo está aí
dançando pelo chão


esquálido
e quase esquartejado de si

Amém e Além