terça-feira, 5 de maio de 2009

mais de olga orozco

tra(b)dução... sugestão: os poemas de Olga são poemas que exigem duas leituras, suas imagens parecem insondáveis, mas se insiste na leitura as imagens vão se revelando, é preciso se acostumar com esse lugar de onde ela fala e como ela descreve coisas tão abstratas.

Em tua imensa pupila (Olga Orozco)

Me reconheces, noite,
me apalpas, me reencontras,
não como avara senão como uma falsa cega,
ou como alguém que não sabe nunca quem é a náufraga e quem entoa os cantos de lamento.
Me escolhestes às escuras para estátua de tuas alegorias,
apenas pelo costume de submergir-me até onde se acaba o mundo
e perder a cabeça em cada nuvem e a cada passo o solo debaixo dos pés.
E acaso não fui sempre tua enteada preferida,
essa que se adianta sem vacilações até a armadilha urdida por tua mão,
a que morde o veneno na maçã ou copia tua beleza do espelho traidor?
Esqueceram de me atar ao mastro da casa quando tu passavas
para que não me fosse, a cada vez, atrás de tua flauta encantada de ladra de crianças,
e foi, às custas do dia, que confundi em tua bolsa a brancura e a neve, os lobos e as sombras.
Agora é tarde para voltar atrás e corregir as horas do acordo com o sol.
Agora já me marcaste com teu alfabeto negro.
Pertenço a tribo dos que se hospedam em radiantes trevas,
dos que vêem melhor com os olhos fechados e se deitam ao lado do abismo e alçam vôo e não voltam
quando Tomás abre de par em par as portas do evidente meiodia.
Tu fundas tua Tebaida no invisível. Tu não concedes provas.
Tu aconteces, secreta, inumerável, sem formular,
como uma contemplação que se volta para dentro,
onde cada sinal é o tremor de um pássaro perdido em un recinto imenso
e cada subida um salto no vazio contra degraus e ausências.
Tu me vigias desde todas as partes,
Descorrendo cortinas, perfurando os muros, espiando entre fardos de penumbra;
me encontras e me olhas com o olhar do caçador e da testemunha,
enquanto descubro no meio de teus matagais o esplendor de uma cidade perdida,
ou busco em vão o rastro do porvir em tuas encruzilhadas.
Tu vais quem sabe para onde seguindo as variações da tentação inalcançável,
experimentando os rostos extremos do horror, da extrema beleza,
a impossível distancia dos outros, o tato do inferno,
visões que se amontoam até onde te alcança a obscuridade que tenho,
até onde começas a rodar morte abaixo com carruagens, com pedras e com cachorros.
Mas não te peço lamparinas exumadas nem véus entreabertos.
Não te reclamo uma lição de luz,
como não reclamo a água por chama nem a vigília pelo sonho.
Ou deveria confiar menos em ti que nas duras, reciosas estrelas?
Temos visto tantos mistérios insolúveis com seus brancos reflexos, mesmo que a pleno sol!
Basta que me leve pela mão como através de um bosque,
noite atapetada, noite sigilosa, que aprenda eu o que queres dizer, o que sussura o vento,
e possa ao fim ler até o fundo de minha pequena noite em tua pupila imensa.