quarta-feira, 29 de abril de 2009

A culpa é dos hormônios

Notícia de capa da página do Yahoo nesta quarta-feira, 29 de abril de 2009:

"Excesso de hormônios explica a dor no peito quando a relação termina"


Dor no peito agora

é problema hormonal

Assim como a traição feminina

E as já conhecidas TPM e Menopausa

Agora eu pergunto:

Quem injetou tanto hormônio no mundo assim?

Frango peitudo alimentando

Franguinhas turbinadas

Super-Hormônios

Super Potências

E pelo ralo escorre

Água contaminada

Hormônio também para as baratas

Para as bactérias

Para qualquer coisa

E se falta amor no mundo,

Se falta bom senso,

Se falta solidariedade,

A culpa é dos hormônios


segunda-feira, 27 de abril de 2009

Olá companheiras e companheiros de poesia. Retorno à vida e espero ser bem-vinda!
Abraços


Mandrágora

Camila Marins - 24/03/2007

Da terra infecunda
molhada pelo sêmen;
de grãos pisciformes
que desfazem sua sepultura.

Opróbrios!
Seios fétidos; murchos
que ladram em noite de lua cheia.

Seu grito antropomórfico
invade meu útero: bailarino estéril.

Argila com sede de placenta,
expira.
Agora molda o feto; ceifando
gota a gota de seu sangue.

No ar, apenas piedade
que embala toda a lucidez no colo
entre espáduas; com suas sementes narcóticas,

as olheiras gritam e
alucinam frutos espalhados pela terra.

Vácuo.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Morte

Veio como um deja vu não metafórico:

O cheiro de passar roupa na sala.

E meus dentes como que grudaram uns nos outros – um Hannibal Lecter sem máscara.

A quentura na tábua de passar marcada de marrom,

O cheiro de fluído de passar dizendo: Não vá amanhã cedo.

Mas a poesia só fala de ir, não de ficar.


Pode falar de voltar um dia:

Eu passando roupa na sala,

Vou sentir o cheiro de queimado e pensar: Volta.

Mas a poesia só fala de ir, não de ficar.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Vida quixotesca


Como Quixote,
Um cavalheiro destemido,
Um eterno apaixonado,
Um iludido.

Como Quixote,
Um alguém respeitado,
Em meio aos risos.

Como Quixote,
Perdido entre a ilusão e a realidade.

Como Quixote,
Solitário é o homem.
E determinado
Na criação de ilusões de vida.

Como Quixote,
O forte no fraco.
É vitorioso o coração
na busca do que o faz eterno: o amor.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Colo

- O que acontece hoje que o seu colo está tão retraído?
- Não sei. Talvez timidez, talvez eu não esteja me sentindo a vontade. Talvez porque eu tenha medo do que o senhor vai me dizer depois.
Mais algumas tentativas, um pouco de dor. Procurou, procurou até encontrar lá no fundo um colo retraído.
- Achei!
Sem consolo, na mesa do ginecologista o colo é outro.

Feriado de páscoa ou porque o cristianismo não me agrada mais

Na semana anterior
Derrete-se o planejamento pedagógico
De creches e escolas de crianças
E coloca-se em um caldeirão
Junto com as professoras
Para depois por na forma do ridículo:
Fantasias de coelho,
Teatro ultra-amador
De fantoches que eram bicho de pelúcia
E tiveram suas vísceras de algodão
Retiradas pelo cu
Falta verba,
Mas não tem problema,
Gasta-se dinheiro
Com ovos de chocolate
Além dos ovos de parafina marrom,
Que dizem ser comestíveis,
Distribuídos pela empresa da mer(en)da

No feriado
Parentes fadigados
Do trabalho que lhes garantem
Seus respectivos carros importados

Durante a semana
Curam com álcool
Todos os dias
As cabeças baixas
As bocas caladas
Os olhos fundos

Na ceia em família
Bebem coca-cola
Porque em tempo de crise
O vinho disponível
Vai dar dor de cabeça
Todos bons cristãos,
Rezam antes de comer
Falam da vida dos padres,
Dos fiéis
E depois vão à procissão
Encontrar padres e fiéis
Que renderão assuntos
No próximo almoço

E está sempre tudo bem
Estão sempre todos felizes
É muito estranho dizer o contrário
Há de se manter o sorriso
Para alimentar a hipocrisia
E ignorar, ignorar, ignorar
A infelicidade óbvia,
A falta de assunto,
O alcoolismo,
A causa psicossomática das doenças,
O passado e o presente
Para sermos uma família cristã feliz
Para todo o sempre
Amém.

domingo, 12 de abril de 2009

Olga Orozco


Mais uma tra(b)dução da Olga Orozco.

Para destruir a inimiga

Mire essa que avança desde o fundo da água borrando o dia com suas mãos,
vazando em pedra cinza o que tu destinavas à memória do fogo,
cubrindo de cinzas as mais belas estampas prometidas pelas duas caras dos sonhos.
Ela carrega sobre seu rosto o sinal:
essa cor de inverno deslumbrante que nasce onde morres,
essas sombras como de grandes asas que varrem desde sempre todos os juramentos de amor.

Cada noite, ao longe, a essa distância onde o amante dorme com os olhos abertos a outro mundo aonde nunca chegas,
ela troca seu nome pelo ruído mais triste da areia;
tua voz, por um soluço sepultado no fundo da canção que já nada recorda;
teu amor, por uma estéril cerimônia onde se imola o crime e o perdão.
Cada noite, no desabitado lugar onde voltas,
ela põe a secar a cifra de tua idade ao baixio da maré,
ou cose com o fio de teus dias a noite do adeus,
ou prepara com o sabor do tempo mais formoso essa turva beberagem que degusta na solidão,
esse ardente veneno que outros chamam nostalgia
e que tão lentamente transforma o coração em um punhado de sementes amargas.

Não a deixes passar.
Apaga seu caminho com a fogueira da árvore partida por um raio.
Expulsa seu reflexo onde correm as águas para que nunca volte.
Sepulta a medida de sua sombra debaixo de tua casa para que por sua boca a terra a reclame.
A nomeie com o nome do desabitado.
A nomeie com o frio e o ardor,
com a cera fundida como uma neve suja de onde cai a forma de sua vida,
com as tesouras e o punhal,
com o rastro de um animal ferido sobre a pedra negra,
com o fumo da brasa,
com a fossa do impossível amor aberta ao vermelho vivo em seu flanco,
com a palavra de poder
a nomeie e a mate.
E não esqueças de sepultar a moeda.
Das alturas da noite ao fundo do pesadelo, pálpebra do inverno mais longo.
Até abaixo da esfíngie e da inscrição:
"Reino das espadas,
Dama das desgraças
Senhora das lágrimas:
no lugar em que estejas com dois olhos te fixo,
com três nós te ato,
o sangue te bebo
e o coração te parto.".

Se olhas outra vez no fundo do vaso,
só verás agora uma descolorida cicatriz cujas bordas se fecham onde se unem as águas,
mas podem abrir-se em outra ferida,
onde
ninguém sabe.

Porque ela te foi anunciada no sétimo dia,
- no dia primeiro de tua culpa -,
e assumiu seu nome como o teu,
com os nomes vazios, com o amor e com o número,
com o mesmo colar de sal amargo que ata a condenação a tua garganta.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Sem título

Sem título

sem paciência para a chateação no quarto ao lado
pai e mãe em discussões sobre cobertor
melhor seria se eles se cobrissem ou se descobrissem
como quem procura sentido em frases dúbias
a guerra pelo lençol
as coisas por fazer
sempre algo a reclamar
e eu aqui fazendo o mesmo
a porta fechou
o assunto acabou
e o título ainda não chegou

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Supermercado na Califórnia

O poema, de Allen Ginsberg.
Mais duas traduções: de Rodrigo Garcia Lopes, tradutor de Walt Whitman.
de Cláudio Willer, tradutor do próprio Ginsberg.

A Supermarket in California (Allen Ginsberg)

What thoughts I have of you tonight Walt Whitman, for I walked down the sidestreets under the trees with a headache self-conscious looking at the full moon.

In my hungry fatigue, and shopping for images, I went into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!

What peaches and what penumbras! Whole families shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the avocados, babies in the tomatoes!—and you, Garcia Lorca, what were you doing down by the watermelons?


I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber, poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery boys.

I heard you asking questions of each: Who killed the pork chops? What price bananas? Are you my Angel?

I wandered in and out of the brilliant stacks of cans following you, and followed in my imagination by the store detective.

We strode down the open corridors together in our solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen delicacy, and never passing the cashier.


Where are we going, Walt Whitman? The doors close in an hour. Which way does your beard point tonight?

(I touch your book and dream of our odyssey in the supermarket and feel absurd.)

Will we walk all night through solitary streets? The trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be lonely.

Will we stroll dreaming of the lost America of love past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?

Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher, what America did you have when Charon quit poling his ferry and you got out on a smoking bank and stood watching the boat disappear on the black waters of Lethe?


Berkeley, 1955


UM SUPERMERCADO NA CALIFÓRNIA

Cada pensamento tive com você, Walt Whitman, enquanto caminhava

pelas calçadas sob as árvores com dor-de-cabeça consciente de mim olhando a lua cheia.

Cansado de fome, fazendo shopping de imagens, fui até o néon do supermercado de frutas, sonhando com suas enumerações!

Que pêssegos, que penumbras! Famílias inteiras indo pro shopping de noite! Corredores cheios de maridos! Esposas nos abacates, bebês nos tomates! –

e você, Garcia Lorca, o que fazia no meio das melancias ?


Eu vi você, Walt Whitman, sem filhos, velho safado solitário, fuçando as carnes do refrigerador e paquerando os garotos da seção de verduras.

Peguei você fazendo perguntas pra eles: Quem matou as costeletas de porco?

Quanto custa a banana? Você é meu Anjo?

Entrei e saí das prateleiras de enlatados te seguindo,

e eu na minha cabeça sendo seguido pelo segurança.

Vadiamos juntos pelos corredores abertos em nossa imaginação solitária

provando alcachofras, passando a mão nos congelados sem nunca passar pelo caixa.


Pra onde agora, Walt Whitman? As portas se fecham em uma hora.

Pra que direção sua barba aponta esta noite ?

(Toco seu livro e sonho com nossa odisséia no super e me sinto absurdo.)

Vamos andar a noite inteira pelas ruas solitárias? Árvores somam sombras às sombras, luzes se apagam nas casas, logo estaremos sós.

Vamos passear sonhando com a América perdida do amor cruzando os carros azuis

nas estradas, de volta pra nossa cabana silenciosa?

Ah, querido pai, de barba grisalha, velho e solitário professor de coragem, qual América tinha na mente quando Caronte parou de empurrar a barca e te deixou na margem nevoenta olhando-a sumir nas águas negras do Letes?


Tradução: Rodrigo Garcia Lopes


UM SUPERMERCADO NA CALIFÓRNIA

Como estive pensando em você esta noite, Walt Whitman,

enquanto caminhava pelas ruas sob as árvores, com dor de

cabeça, autoconsciente, olhando a lua cheia.

No meu cansaço faminto, fazendo o Shopping das imagens, entrei no supermercado das frutas de néon sonhando com tuas enumerações!

Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras fazendo

suas compras a noite! Corredores cheios de maridos!

Esposas entre os abacates, bebês nos tomates! - e você,

Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?


Eu o vi Walt Whitman, sem filhos, velho vagabundo solitário, remexendo nas carnes do refrigerador e lançando olhares para os garotos da mercearia.

Ouvi-o fazer perguntas a cada um deles; Quem matou as

costeletas de porco? Qual o preço das bananas? Será você meu

Anjo?

Caminhei entre as brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o

e sendo seguido na minha imaginação pelo detetive da loja.

Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso

passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um dos

petiscos gelados e nunca passando pelo caixa.


Aonde vamos, Walt Whitman? As portas fecharão em uma

hora. Para quais caminhos aponta tua barba esta noite?

(Toco teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado e sinto-me absurdo)

Caminharemos a noite toda por solitárias ruas? As árvores

somam sombras às sombras, luzes apagam-se nas casas,

ficaremos ambos sós.

Vaguearemos sonhando com a América perdida do amor,

passando pelos automóveis azuis nas vias expressas, voltando

para nosso silencioso chalé?

Ah, pai querido, barba grisalha, velho e solitário professor

de coragem, qual América era a sua quando Caronte parou

de impelir sua balsa e Você na margem nevoenta, olhando a barca desaparecer nas negras águas do Letes?


Tradução: Cláudio Willer


quarta-feira, 8 de abril de 2009

Céu azul duma quarta-feira

O céu me inspira
Inspiração de vento
Ventania transpirada
Ventania tresloucada

Olho para o céu
O céu no olho
O azul na memória

Olho pra cima
Não há mais nada

Nada preenchido de concreto
Teto ausente de vida
Vida repleta de memória

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Roberto Jorge Santoro

Nasceu em Buenos Aires em 17 de abril de 1939. Foi pintor, repositor, professor em uma escola industrial, tipógrafo, vendedor ambulante e poeta. Foi sequestrado por elementos do terrorismo de Estado em 1o de junho de 1977. O levaram ilegalmente de seu trabalho. Até hoje se encontra desaparecido.

Se apresentava assim: "sangue tipo A, fator RH negativo, 34 anos, 12 horas diárias a busca castradora, desumana, do soldo que não se alcança. Dois empregos, escritor surrealista, ou melhor, realista do sul. Vivo em uma engrenagem. Filho de operários, tenho consciência de classe. Rechaço ser travesti do sistema, essa podre máquina social que faz que um homem deixe de ser um homem, obrigando-o a ter um despertador no cú, um bilhete de loteria na cabeça e um cadeado na boca."


Segue uma tra(b)dução:

AS COISAS CLARAS


minha voz está em seu lugar
o coração sabe algo mais porque me dói

por isso digo:
terrível ofício
é repartir equivocadamente os abraços
e que a alma viva entre cachorros esfomeados

um de meus erros
foi crer que todos éramos irmãos

e agora
não se pode trocar o horizonte pela nostalgia
há que esquecer-se dos velhos sorrisos
e andar com a dor às costas
para que sirva definitivamente

nunca disse
minha lágrima foi grande
sofri
não me quiseram

cada um conhece sua dor
e sabe de que maneira conversar com a desgraça

que venha a vida e me golpeie
de nada vale fechar os olhos

um homem dormindo
é uma dor que descansa

é duro o amor quando se nega
um dia no entanto recosta seus abraços
apoia seu mistério em minha cabeça
e me leva a viver no primeiro piso de um incêndio

não comparo
simplesmente dou meu fruto
e espero

da semente mais humilde
pode brotar o fogo ou a formosura

se estou encurralado entre dois beijos
decido me enroscar ao pé de meu coração
e sonho

sou triste até os sapatos

à hora do chá
minha alegria se senta e chora comigo

mas sustento que um dia
ainda que o amor seja o irmão implacável da chuva
da minha casa a teus olhos
não haverá naufrágios.

(De Las cosas claras, 1974)

domingo, 5 de abril de 2009

Domingo

Escolho meu dia domingo
pra minguar
Poeminha tolo
Pra inaugurar
a mesa dos poetinhas
Minguada rima
tira o gosto
menos sal
mais um gole
Pro domingo minguar