domingo, 12 de abril de 2009
Olga Orozco
Mais uma tra(b)dução da Olga Orozco.
Para destruir a inimiga
Mire essa que avança desde o fundo da água borrando o dia com suas mãos,
vazando em pedra cinza o que tu destinavas à memória do fogo,
cubrindo de cinzas as mais belas estampas prometidas pelas duas caras dos sonhos.
Ela carrega sobre seu rosto o sinal:
essa cor de inverno deslumbrante que nasce onde morres,
essas sombras como de grandes asas que varrem desde sempre todos os juramentos de amor.
Cada noite, ao longe, a essa distância onde o amante dorme com os olhos abertos a outro mundo aonde nunca chegas,
ela troca seu nome pelo ruído mais triste da areia;
tua voz, por um soluço sepultado no fundo da canção que já nada recorda;
teu amor, por uma estéril cerimônia onde se imola o crime e o perdão.
Cada noite, no desabitado lugar onde voltas,
ela põe a secar a cifra de tua idade ao baixio da maré,
ou cose com o fio de teus dias a noite do adeus,
ou prepara com o sabor do tempo mais formoso essa turva beberagem que degusta na solidão,
esse ardente veneno que outros chamam nostalgia
e que tão lentamente transforma o coração em um punhado de sementes amargas.
Não a deixes passar.
Apaga seu caminho com a fogueira da árvore partida por um raio.
Expulsa seu reflexo onde correm as águas para que nunca volte.
Sepulta a medida de sua sombra debaixo de tua casa para que por sua boca a terra a reclame.
A nomeie com o nome do desabitado.
A nomeie com o frio e o ardor,
com a cera fundida como uma neve suja de onde cai a forma de sua vida,
com as tesouras e o punhal,
com o rastro de um animal ferido sobre a pedra negra,
com o fumo da brasa,
com a fossa do impossível amor aberta ao vermelho vivo em seu flanco,
com a palavra de poder
a nomeie e a mate.
E não esqueças de sepultar a moeda.
Das alturas da noite ao fundo do pesadelo, pálpebra do inverno mais longo.
Até abaixo da esfíngie e da inscrição:
"Reino das espadas,
Dama das desgraças
Senhora das lágrimas:
no lugar em que estejas com dois olhos te fixo,
com três nós te ato,
o sangue te bebo
e o coração te parto.".
Se olhas outra vez no fundo do vaso,
só verás agora uma descolorida cicatriz cujas bordas se fecham onde se unem as águas,
mas podem abrir-se em outra ferida,
onde
ninguém sabe.
Porque ela te foi anunciada no sétimo dia,
- no dia primeiro de tua culpa -,
e assumiu seu nome como o teu,
com os nomes vazios, com o amor e com o número,
com o mesmo colar de sal amargo que ata a condenação a tua garganta.